Audiência do Inclusp acontece, apesar de tudo...

Publié le par Fórum da Ocupação


Um Breve Histórico e Relato da Audiência Pública do Inclusp

          
            No dia 22/10, às 18h, foi realizada na USP uma Audiência Pública para debater o Programa de Inclusão Social da USP, o Inclusp. O programa vem sendo denunciado há meses pelo Movimento Estudantil e por Movimentos Sociais como sendo inócuo, uma política de fachada da administração universitária para desmobilizar os críticos da enorme exclusão social propagada pela FUVEST. A Audiência foi uma das reivindicações dos estudantes durante a Ocupação da Reitoria, no primeiro semestre, e havia sido prometida pela Reitoria no acordo assinado no final de junho.

A pressão social nos últimos anos foi muito forte sobre as universidades públicas brasileiras para que estabelecessem políticas mais efetivas de inclusão social. O resultado foi uma ampla propagação de novas formas de acesso às universidades, através de cotas sociais e étnico/raciais. Mas a USP ficou de fora, e respondeu às pressões com o Inclusp, programa construído de cima para baixo, idealizado pela administração uspiana e implementado sem nenhum debate ou diálogo com a sociedade civil ou movimentos sociais.

A indisposição com o diálogo ficou ainda mais clara durante estes últimos meses. Em teoria, é dever da Reitoria comparecer a audiências quando convocada pela comunidade universitária - foi necessário aos estudantes ocupar o prédio da Reitoria por 51 dias para que a administração concordasse em comparecer a uma audiência sobre o Inclusp, a qual, diga-se de passagem, nem sequer teria poder decisório algum. Quando então finalmente  começou-se a levar a cabo a realização do evento, vieram outras inúmeras demonstrações de que não se quer conversar sobre o assunto: a Reitoria impôs como local o auditório da EACH, Escola de Artes, Ciência e Humanidades - a USP Leste. O movimento estudantil pediu que o local fosse alterado para o Auditório Camargo Guarnieri, no centro da Cidade Universitária, e de fácil acesso para a maior parte do alunos da Universidade, mas o pedido foi recusado, alegando a maior capacidade do auditório da USP Leste. No entanto, o local aonde se realizou a Audiência Pública comportava pouco mais de 100 pessoas, enquanto o auditório proposto pelos estudantes tem capacidade para 500. O resultado foi uma sala superlotada, com pessoas sentadas no chão ou encostadas nas paredes para tentar participar do debate. Na mesa estavam Franco Maria Lajolo, vice-reitor, Selma Garrido, pró-reitora de graduação, Dante Rose Junior, diretor da EACH, Douglas Belchior, coordenador nacional da EDUCAFRO (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes), e Juliana Borges, diretora do DCE (Diretório Central dos Estudantes).

O número de presentes foi significativo, apesar da Audiência simplesmente não ter sido divulgada pela Reitoria, que além disso obrigou que sua realização fosse na USP Leste, dificultando em muito o comparecimento em massa de estudantes, já que a maioria destes estuda no Campus Butantã. A tentativa de esvaziamento, levada a cabo com a conivência do DCE da USP, que trabalhou também para a desmobilização dos estudantes (expondo seus interesses, no mínimo ambíguos), não deu certo. Na platéia estavam estudantes e professores da USP, representantes da FUVEST, e o chefe de gabinete da Reitoria, Alberto Carlos Amadio, além de muitos membros de movimentos sociais, como EDUCAFRO e MSU (Movimento dos Sem Universidade). Alguns vieram de longe, como  Marcelo Tragtenberg, professor de Física da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e especialista em políticas afirmativas. Tragtenberg havia sido escolhido pelos estudantes e pela EDUCAFRO para compor a mesa, juntamente com o professor aposentado da Faculdade de Direito, Fábio Konder Comparato, mas ambos tiveram seus nomes vetados pela Reitoria. Devido ao veto, o Prof. Konder Comparato acabou nem sendo convidado, mas Tragtenberg, no entanto, veio de Santa Catarina assim mesmo, e fez questão contribuir com sua experiência para a discussão.

Já no início da Audiência, protestos da platéia: a Reitoria havia determinado que a profa.Selma teria 40 minutos para expor a posição da Administração, enquanto o representante da EDUCAFRO (Douglas) e dos estudantes (Juliana) teriam cada um apenas 10 minutos. Após certa confusão, mudou-se o esquema para 40 min para a pró-reitora, e 20 min para cada um dos dois representantes dos movimentos.

Começou então a discussão: de um lado estava a administração da USP afirmando o sucesso do Inclusp, de outro a EDUCAFRO e estudantes afirmando seu fracasso. Nessa linha se seguiram os debates. Selma Garrido, primeira a se pronunciar, fez uma longa exposição de gráficos e números, com a intenção de mostrar o êxito do programa. Depois, Douglas e Juliana colocaram seus questionamentos ao programa. O Prof. Marcelo Tragtenberg e o estudante Nilton Bispo (membro da Comissão Aberta dos Estudantes para Discutir o Inclusp) foram convidados por Douglas e Juliana para também comentarem os dados expostos.

Segundo a profa. Selma, o Inclusp conseguiu aumentar o índice de aprovação de alunos de escola pública, já que o número de aprovados com esse perfil passou de 24,6% em 2006 para 26,7% em 2007, sendo que 89% destes seriam aprovados sem os 3% de bônus previstos pelo programa, mas outros 11% não A hipótese do programa, disse a pró-reitora, é que aumentando o acesso de alunos da rede pública se estaria também incluindo alunos de menor faixa de renda familiar e alunos negros. “E isso se confirmou. Nas escolas públicas estão esses segmentos. Então este é o sucesso em relação à hipótese inicial”.

A resposta foi dura, somando críticas de todos os lados: primeiro, questionou-se seriamente os dados da pró-reitoria, mostrando que o aumento de alunos da rede pública não significou aumento no número de negros, e que o programa esquece das enormes diferenças no perfil de escolas da rede pública. Além disso, houve uma série de distorções nos dados fornecidos pela USP: primeiro, foram incluídos na conta do Inclusp os estudantes negros da USP de Lorena, antiga Faenquil, que foi incorporada à USP em 2007, ou seja, esses alunos foram contabilizados, mas não entraram via vestibular. Além disso, em 2007 houve uma expansão do número de vagas em cursos considerados de menor “prestígio” (por exemplo, pela primeira vez ocorreu o vestibular para a EACH, a  USP Leste), os quais tradicionalmente têm porcentagens maiores de negros e pobres. Novamente, no entanto, a Reitoria não considerou essas alterações no universo analisado, uma verdadeira abominação estatística. Se formos considerar os cursos mais concorridos no vestibular, como Medicina, Engenharia, Direito, nada mudou - pelo contrário, a situação até piorou, com diminuição do número de alunos da rede pública. Como o prof. Tragtenberg mencionou, se a USP não quer adotar cotas, então que aumente o bônus e faça sua distribuição de maneira não linear, maior ou menor dependendo do curso, impedindo que a inclusão aconteça apenas nesses cursos “marginais”. Trangtenberg completou afirmando que o melhor sistema é o de cotas, pois o sistema de bônus adotado, disse ele, simplesmente não inclui negros. As cotas instituídas na universidade do Professor, a UFSC, têm percentuais para negros até maior do que sua participação na população do Estado. Finalmente, outra crítica contundente foi a de que o Inclusp não tem metas, portanto não é possível avaliar seu sucesso ou fracasso, e nem sequer cobrar avanços.

As reivindicações foram feitas: 1) que a FUVEST disponibilize os dados brutos relativos ao vestibular, e não apenas os dados percentuais já interpretados, para que a avaliação do Inclusp possa ser realizada de maneira transparente; 2) que a Reitoria realize nova Audiência Pública para discutir mais amplamente os próximos passos do programa; 3) que sejam criadas com participação de movimentos sociais e de todos os setores da universidade metas claras a serem atingidas; 4) que se mantenha o diálogo com a EDUCAFRO, o movimento estudantil, o MSU e outros movimentos sociais. Esperamos pela posição da USP.

A Audiência Pública realizada foi, sem dúvida alguma, um enorme passo para ampliar a conscientização e o debate sobre o acesso à Universidade de São Paulo. Lamentamos que a Reitoria tenha mantido sua postura de pouca disposição para questionamentos e participação daqueles diretamente interessados na questão, os negros e pobres de São Paulo, e que os estudantes continuem sendo mantidos de fora da discussão sobre as políticas da Universidade. Foi um rico momento de debate, crítica e envolvimento, no entanto, e quem sabe abriu-se uma pequena brecha para que as próximas etapas do programa de Inclusão Social da USP sejam, desta vez, democráticas. Lutaremos para que aconteça.

Publié dans Inclusp

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