Professores posicionam-se criticamente às mudanças regimentais da pós

Publié le par Fórum da Ocupação

Reproduzimos documento elaborado por professores da Faculdade de Letras (FFLCH/USP), apresentado e lido na última congregação da FFLCH, onde, ponto por ponto, posicionam-se criticamente em relação às propostas de mudanças regimentais da pós, vindas oportuna e oportunistamente da Pró-Reitoria de Pós Graduação, conforme vimos denunciando nos últimos dois meses.


Nós, representantes das categorias de doutores e associados na Congregação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, tendo analisado o documento “Normas e Procedimentos dos Cursos de Pós-Graduação da FFLCH” e considerando as observações feitas por colegas nas muitas instâncias em que o mesmo tem sido discutido (plenárias, conselhos departamentais, reuniões de coordenadores de cursos), vimos trazer ao debate os seguintes pontos:

 

1. A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, núcleo da Universidade de São Paulo desde a sua origem, se ancora, do ponto de vista da produção do conhecimento, na reflexão e no pensamento crítico. Para atingir seus graus de excelência, se apóia numa vinculação estreita entre a docência na graduação, na pós-graduação e a pesquisa. Suas diferentes áreas de conhecimento se caracterizam por uma especificidade distinta da de outros campos do saber, demandando contextualização ampla (em cenários sociais, históricos, culturais...) dos objetos de estudo, níveis diversos de problematização, tempo de maturação e aprofundamento das questões na produção do trabalho acadêmico. Tal especificidade exige condições diferenciadas de trabalho, tanto para o docente quanto para os pós-graduandos, muitas das quais não estão contempladas nas propostas do novo Regimento.

 

2. Essa proposta de mudança não foi precedida de um diagnóstico de possíveis problemas existentes nos Programas, como atestam os ex-coordenadores de Pós-Graduação, que afirmam não terem sido consultados em nenhum momento a esse respeito. A própria Pró-Reitoria de Pós-Graduação não apresenta a indispensável justificativa a respeito da necessidade do projeto, tampouco explicita a quê ele responde em termos de melhoria da produção científica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Os índices de excelência dos Programas, no atual sistema, são prova suficiente do seu desempenho satisfatório e plenamente adequado aos fins científicos que deles se esperam. Os planos de metas dos departamentos e as avaliações externas (principalmente a da CAPES), assim como os números expressivos apresentados pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na pós-graduação, são evidência inequívoca de que os programas têm funcionado a contento. Em vista dos excelentes indicadores de desempenho atuais, mudanças a serem implementadas justificar-se-iam na medida em que representassem aprimoramento do atual sistema, propiciando melhoria na infra-estrutura e nos recursos humanos, com vistas a otimizar as condições de trabalho dos pesquisadores e seu tempo de dedicação à produção científica e à docência nos níveis de graduação, pós-graduação e extensão. Ao contrário, dada a especificidade de nossos Programas, as reformas pretendidas representam o risco de um trânsito a piores condições de trabalho, abrindo caminho aos efeitos negativos expostos a seguir.

 

3. A nosso ver, a proposta de criação de CCPs (Comissões Coordenadoras de Programas), principal modificação em relação ao atual Regimento, teria como um primeiro efeito nocivo descentrar, ainda mais, o trabalho dos orientadores credenciados, afastando-os do que é sua prioridade - a docência e a pesquisa -, assoberbando-os com tarefas adicionais, muitas delas de natureza burocrática, ligadas ao controle e à gestão dos programas a que estão vinculados. Projetos de pesquisa de envergadura (individuais ou com a participação de pós-graduandos) são incompatíveis com tal acúmulo de tarefas e com o intenso trabalho administrativo, disso decorrente, e que deve ser tratado com seriedade e eficiência, conforme reconhece o próprio Regimento proposto e o sabem todos os docentes.

 

4. A dificuldade referida no item 3 desse documento agrava-se para um número significativo de Programas, atualmente com avaliação 5 e 6 pela CAPES, que não contam com um número muito elevado de docentes credenciados, dada sua alta especialização, mas que são únicos no cenário nacional e têm construído uma importante história de atuação em suas especialidades. Dadas suas dimensões, o número mínimo necessário para composição da CCP representará, para esses Programas, uma proporção excessiva de pesquisadores cujo tempo de trabalho será significativamente desviado da dedicação à produção científica, da qual depende majoritariamente sua avaliação anual e grande parte das verbas que sustentam seu funcionamento.

 

5. Além disso, as atribuições das CCPs, de acordo com as novas propostas, fomentam tendências desagregadoras nos programas de pós-graduação. Em primeiro lugar, porque favorecem enfrentamentos, decorrentes da inexistência de uma instância externa para dirimir situações potencialmente conflitivas. E, em segundo lugar, porque irão necessariamente promover atritos entre colegas titulados que evitariam o envolvimento no árduo trabalho burocrático, considerando as estafantes 28 competências atribuídas às CCPs no item 3.4. Em conseqüência disso, a adoção do novo Regimento implicará riscos, no caso dos pesquisadores mais experientes, pois seu envolvimento nas novas tarefas ameaçará índices de produtividade já atingidos; no caso dos doutores em início de carreira, tal envolvimento inviabilizaria seu pleno desempenho acadêmico, uma vez que serão desviados do trabalho de docência, orientação e pesquisa para o cumprimento dessas novas atribuições. O aumento da carga de trabalho administrativo dos docentes, em flagrante solução de atrofia com respeito à reflexão acadêmica, visa a atividades-meio e não a atividades-fim, configurando-se inclusive como um claro desvio de função, e assim redundando no desequilíbrio do tripé docência-pesquisa-extensão.

 

6. O desvio de função, mencionado acima, tem por base a não especialização – e o conseqüente despreparo e inexperiência – dos docentes-pesquisadores no trato com questões burocrático-administrativas. Essas demandam, em lugar de recursos humanos contratados prioritariamente para as atividades-fim de docência e pesquisa, assessoria técnica qualificada e capacitada bem como infra-estrutura adequada. A criação das CCPs exigirá – como dissemos – diferentes tarefas de gestão para as quais os docentes não estão qualificados, além de espaço físico para seu eficaz funcionamento. Os conhecidos problemas de espaço, principalmente no Prédio de Letras (número insuficiente de gabinetes de docentes, de salas e de área para as atividades administrativas), podem inclusive colcoar em risco a guarda de documentos públicos, para a qual sequer há espaço suficiente e adequado nos diferentes prédios da Faculdade.

 

7. Considerando-se, ainda, alguns dos eixos que caracterizam o trabalho na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, tal como sucintamente descritos no item 1 deste documento, há aspectos pontuais na proposta do novo Regimento que podem comprometer a qualidade da formação dos pós-graduandos. Dentre eles se poderiam destacar, à guisa de exemplo, aqueles relativos aos Exames de Qualificação para o mestrado e aos prazos de entrega de notas por docentes que ministram disciplinas.

 

8. Ao contrário, portanto, do que afirma o Pró-Reitor de Pós-Graduação em entrevista ao Jornal da USP (10 a 16/12/2007, p. 4) sobre a modernização e a desburocratização, o novo Regimento só faz confirmar a burocracia, uma vez que multiplica pelo número de CCPs as tarefas que hoje são da alçada da CPG, apoiada por funcionários de reconhecida competência administrativa.

 

9. Surpreende, por fim, o fato de que essa proposta de Regimento, ainda não examinada pela CLR e nem publicada no Diário Oficial, visto que suas bases jurídicas ainda não foram avaliadas, já esteja sendo inadvertidamente implantada nas unidades.

 

Pelas razões expostas, vimos solicitar que a Congregação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas promova uma discussão em profundidade do Regimento proposto e estabeleça um canal de negociação com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e com os órgãos colegiados das outras unidades, a fim de que essa, ou qualquer outra modificação regimental, respeite os diferentes campos do saber, reconhecendo necessidades específicas de cada unidade. Assim, consideramos que não se pode ferir na base o comprovado padrão de excelência acadêmica que sempre distinguiu nossa Faculdade.

 

 

São Paulo, 16 de dezembro de 2007.

 

Adrian Fanjul, representante dos doutores

Adma Fadul Muhana , representante dos doutores

Hélder Garmes, representante dos doutores

Lucia Wataghin, suplente de representante dos doutores

Maria Augusta Fonseca, representante dos associados

Sandra Guardini T. Vasconcelos, representante dos associados

 

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