A USP e a tragédia dos comunas

Publié le par Fórum da Ocupação

Publicamos artigo que saiu numa das edições do Jornal da USP. Escrito pelo professor Eleutério Prado, que em mais uma contribuição com este blog gentilmente nos autorizou a colocá-lo nesta página.


A USP E A TRAGÉDIA DOS COMUNAS
por Eleutério F. S. Prado 
(professor titular da FEA/USP)

“Enxergar somente a própria plantação
é não ver a destruição da floresta”

É fácil perceber que a USP – e a universidade pública no Brasil, em geral – está sofrendo de uma doença degenerativa que lhe corroe as entranhas e que está sendo atacada, de fora, pela falta de um projeto de nação independente e pelos avanços do liberalismo pós-moderno. Em consequência, a educação tem sido tratada pelo poder público meramente como uma questão de custos. Por outro lado, a universidade, prisioneira seja do corporativismo que domina entre os professores seja do protelacionismo que afeta as burocracias, mostra-se incapaz de enfrentar o desafio da chamada globalização nas frentes da pesquisa e da docência. A busca da excelência mora quase que tão somente nos discursos – e não na prática. A vida cotidiana na universidade pública mostra que ela se encontra em rápido e progressivo declínio. 

Para compreender o que aí acontece hoje parece interessante entender a estrutura de incentivos a que estão submetidos os seus professores, depois que a universidade acedeu à lógica da mão invisível que vigora nos mercados. Para tanto, faz-se aqui uma análise de instituições informada pela teoria dos jogos. 

O principal meio de incentivo para os professores universitários, ainda que não único, é a renda que obtém das suas atividades: docência, pesquisa e extensão. Pela primeira, entendemos o de ensino de graduação e de pós-graduação; pela segunda, entendemos somente a pesquisa feita para fins “acadêmicos”; na terceira incluímos a consultoria, a pesquisa contratada e a docência em cursos de extensão (a extensão gratuíta é pouco importante). As duas primeiras são pagas pela própria universidade e/ou pelos órgãos financiadores; a terceira delas é remunerada com recursos externos ao sistema universitário, sejam dos alunos, sejam das empresas, seja do próprio setor público. 

Dentro deste quadro, a renda de um professor, Y, durante o tempo de permanência na universidade, vem a ser a soma de sua remuneração no sistema universitário, Yu,  com os seus ganhos fora dele, ou seja, no mercado, Yf(para simplificar, desprezaremos as diferenças intertemporais nos fluxos de recebimento e no valor do dinheiro): Y = Yu+ Yf.

É preciso notar, agora, que cada uma dessas duas parcelas tem um comportamento diferente. Suporemos que o da renda externa pode ser assim descrito:Yf= f ( te, c) , onde teé o tempo dedicado às atividades de extensão e c é um indicador de competência que, para simplificar, vem a ser medido pelo grau de titulação (de 1 a 5, por exemplo). Admitimos que a função f  faz Yfcrescer quando t e c aumentam e que o seu crescimento ocorre a taxas não crescentes. Já Yu é função apenas de c (omitiremos a relação desta variável com o tempo de “casa”), não dependendo, assim, diretamente, do tempo efetivamente dedicado à universidade: Yu= g (c).
 
É preciso notar, agora, que o professor está submetido a três restrições: a) o tempo dedicado à docência, td, é maior ou igual do que um certo mínimo exigido pela universidade: td ≥ tmin; b) o tempo total de trabalho, que é a soma dos tempos dedicados à docência, à pesquisa e à extensão, é menor do que um certo tempo máximo: td+ tp+ te ≤ tmax; e c) a obtenção da titulação, necessária para aumentar o seu poder de barganha no mercado, obriga-o a despender parte de seu tempo, principalmente no início da carreira, com pesquisa acadêmica, publicação e docência de pós-graduação (c, pois, depende de td e tp: c = h(td, tp)).

Para maximizar Y, o professor, no seu ciclo de vida na universidade, deve reduzir o tempo dedicado à docência e à pesquisa acadêmica, td+ tp, àquilo que é estritamente necessário para fazer a carreira e para cumprir a carga didática obrigatória. Dado que a universidade não exige de fato uma contrapartida de esforço para o salário mensal que paga (por exemplo, as pressões da CERT produziram mais ruído do que aumentaram a produção acadêmica da USP, nos últimos anos), o sistema de incentivo existente induz o professor a optar pelo tempo integral e a se dedicar pouco às atividades mais características da universidade.

É evidente que as coisas não estão piores, porque há incentivos não pecuniários que influem no comportamento dos professores: alguns têm grande prazer no trabalho intelectual, outros apreciam o contato com os alunos, outros ainda obedecem a imperativos éticos, religiosos e de cidadania etc Ocorre, entretanto, que a determinação econômica é preponderante na sociedade baseada no capitalismo.

Quais as consequências deste sistema de incentivo para o futuro da universidade pública no Brasil? Para responder esta pergunta, é preciso pensar a relação de cada professor em particular com os outros, como se estes fosse um todo indistinto. A situação pode ser modelada como um jogo em que atuam dois jogadores: “Um” e os “Outros”. Estes últimos formam, da perspetiva de cada um em particular, um bloco. “Um” é um jogador genérico que busca o seu auto-interesse e não enxerga muito longe; os “outros” são um agente algo difuso que cada um enfrenta. Tanto “Um” como os “Outros” tem apenas duas opções: dedicar-se ou não à universidade (não se dedicar significa, aqui, fazer somente o necessário para maximizar a própria renda no tempo de vida na universidade).

 
 
 
“Outros” se dedicam à Universidade
“Outros” não se dedicam à Universidade
“Um” se dedica à universidade
5.000; 5.000
3.000; 6.000
“Um” não se dedica à universidade
10.000; 5.000
6.000; 6.000









Os valores do quadro, medidos em unidades monetárias, expressam as médias – no tempo de vida mencionado – dos rendimentos ligados direta ou indiretamente à universidade (em reais por mês). Os valores da esquerda representam os ganhos de Um; os da direita simbolizam os recebimentos dos Outros (uma média de média). Se todos se dedicam, os ganhos médios são de 5.000, pois a universidade é considera boa e a verba pública que recebe é alta; se ninguém se dedica, a universidade passa a ser considerada ruim, a verba pública que recebe se reduz e o redimento médio obtido pelo professor no próprio sistema universitário cai para 3.000 em média. Este, então, é completado com um redimento externo de mais, digamos, 3.000. Trabalhando também para fora, o professor duplica os seus ganhos mensais. 

A situação melhor do ponto de vista de “Um” é aquela em que os “Outros” se dedicam, mas ele não o faz: neste caso, “Um” se aproveita do prestígio da universidade, ganhando 5.000 internamente e mais 5.000 externamente. Esta situação, entretanto, não pode prevalecer, pois todos os outros ocuparão o lugar de “Um” e cada um dos outros é visto meramente como um todo passivo. O equilíbrio deste jogo, dito de estratégia dominante, se dá numa situação em que ninguém se dedica à universidade e esta se torna um peso morto para a sociedade – ineficiente e ineficaz. 

Ainda que o exercício acima tenha uma validade parcial, já que trata a universidade meramente como um sistema e não, também, como uma esfera de vida pessoal, social e cultural, ele é útil para mostrar como a estrutura de incentivos atual está contribuindo para a progressiva destruição da universidade pública no Brasil. 

Nesse sentido, observe-se que o exercício foi feito sob uma perspectiva favorável do ponto de vista dos ganhos dos professores como um todo; na situação de equilíbrio, a universidade recebe menos verbas, mas os professores ficam melhor individualmente (ganham 6.000 em média ao invés de 5.000). Entretanto, o equilíbrio continuaria aí se os ganhos dos professores somassem, por exemplo, 4.000 em média na alternativa em que ninguem se dedica (já que a estratégia “não se dedicar” é dominante). Neste caso, tanto a universidade quanto os professores ficariam pior, configurando-se uma situação que costuma ser denominada de “tragédia dos comunas”: se um é oportunista todos terão a acompanhá-los e isto leva à destruição do bem comum. 

Foi sempre assim? Numa certa época do passado, a universidade se encontrava numa situação próxima ao equilíbrio em que praticamente todos se dedicavam a ela. O que garantia este equilíbrio era o cumprimento do contrato entre os professores e a própria instituição universidade, por meio do qual os interesses individuais eram aglutinados num interesse coletivo. Entretanto, num certo momento, porque se julgou que os salários eram insuficientes ou porque se desejou levar a lógica do mercado à universidade, tudo isto mudou. Afrouxaram-se, então, as regras do tempo integral, passou-se a tolerar a quebra do contrato e se deixou, na prática, de aplicar as sanções morais e legais cabíveis. Assim, mais e mais professores passaram a optar pelo caminho individualista, de tal modo que o equilíbrio de pouca dedicação tornou-se um pólo de atração, de tal modo que a falta de empenho nas atividades estritamente acadêmicas transformou-se na prática predominante. 

Qual a solução para o problema? Há a solução que consiste em fazer um grande esforço para restaurar o “ethos” universitário, a qual parece romântica. Há a solução pior que chamaremos hobbesiana: dar força ao poder reitoral para que ele controle de forma absoluta, rigidamente, o tempo integral. Há a solução que chamaremos de smithiana: separar a remuneração da docência da remuneração da pesquisa; remunerar a docência por um sistema que premia a quantidade e a qualidade dos cursos ministrados e que leve em conta a qualificação do professor, assim como remunerar a pesquisa “acadêmica” exclusivamente por meio do financiamento da realização de projetos individuais e de grupos (tal como o faz o CNPq), com exigência legal de dedicação integral à universidade. Na segunda situação – melhor – cada um é livre para escolher, sem se submeter a controles burocráticos, se quer ser “acadêmico” ou atuar no “mercado”. Talvez seja possível, assim, fazer com que uma parte da universidade pública brasileira tenha um nível de excelência que se aproxime do que há melhor no mundo.

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D
Então véio, eu vi que é da FEA. Mas vc não deu conta que disse que o blog tem cara de FFLCH. Também não se deu conta que falei que é da FFLCH que vem a resistência. Não tenho nada contra teoria, mas, Véio, tudo isso que vcs tão falando já foi dito um ziquilhão de vezes, vai lá no google e vai enteder o que tô dizendo. Então é isso, os caras falam pra caralho, falam bonito e tal, e o mundo tá cagando pro que eles falam. A gente não precisa mais de teoria e análise, tem de montão. Véio, precisa de ação e disse os caras não entendem, ou tão brincando, sei lá<br /> Falow Eu Não Sei ou prefere soberbo anarquista?
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F
Oi Davi,Muito obrigado pelas observações, realmente o papel do blog precisa ser constantemente criticado e reconstruído. A idéia inicial do blog é qualificar o debate e melhorar a comunicação do Movimento Estudantil, não diretamente mobilizar. Acreditamos que o debate amplo, crítico e democrático é fundamental para estruturar qualquer movimento sério de questionamento das bases formadas da Universidade e do próprio ME.Sua crítica, no entanto, faz muito sentido, e não podemos parar por aí. Os próximos passos que planejamos é um ciclo de debates e a construção do V Congresso para debater mais edificantemente a reforma estatutária da USP(aliás, já em progresso).Se você acha que existem outros passos e outras medidas necessárias para promover uma mudança real, e não ficar na masturbação crítica, pedimos sinceramente que você nos ajude com isto e dê toda e qualquer sugestão que tiver, ou mais ainda, que venha às Reuniões do Fórum USP e comece a construir essa mudança conosco. Nosso objetivo é atingir mudanças concretas, enfatizo, mas vemos nosso papel mais como um catalizador do que um órgão de luta direta, especialmente porque agregamos diversos ideais e prezamos pela diversidade e individualidade do pensamento de todos.Bem, só para deixar claro, nós não apenas aceitamos críticas, aceitamos também iniciativas para que mudemos. É muito bonito ser aberto a questionamentos, mas não fazer nada para mudar de verdade o que se vem fazendo. Nosso compromisso é incluir críticas na nossa atuação diária, discutí-las e efetivamente implementar mudanças.E aí, como podemos trazer para a realidade seus questionamentos?
J
-Então mano, este professor é da FEA.<br /> Se acha o que, que estrebuchar sem pensar oque fazer leva a algo. Este papo é novo, em geral a galera mais se bate que se debate.<br /> Caro Fita, se vc já conheceu o pico e fez lá uma presença, tá ligado como é que é a fita a galera quer mais em geral a C.A.sinha.
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D
meu caros ocupados. tô acompanhando o blog tem um tempinho. pensei que vcs iam além do blá blá blá, mas tô vendo que vão ficar no blá blá blá. não tenho certeza mas tenho quase certeza que a maioria é fflch. tem uns 30 anos que vcs são a única oposição a putaria que tão fazendo com a USP, só que vcs perdem todas exatamente pq ficam no blá blá blá, é um tal de qualificar o debate, análise de conjunto, diputa de espaço, projeto político,questão estrutural, enquanto que os que fazem a putaria rolar colocam a mão na massa e vcs aí blá blá blá. é marx, é weber, é adorno. poxa como vcs são inteligentes, tão cabeças que perdem todas. se vcs não partirem pra cima e continuarem no blá blá blá ("nossa! somos inteligentes!" e da-lhe sociologia, filosofia e todas as ias) vão continuar perdendo todas. com essa oposição do blá blá blá a usp tá fudida mesmo.
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